Roda da Vida
Errante!
Era um choro
de criança. Era um choro de mulher. Era um choro de mil vozes a ecoar no céu,
que fingia ser colorido para ocultar o curtume da violência ali depositada.
Era um corpo
ressequido, sem dentes e sem água. Era um dialeto estranho misturado ao que não
se aprendeu a escrever e às dores sussurradas na estrada.
Era um beijo
sem saliva, sem esperança, sem gosto do leite morno nos seios de alguma
emprenhada.
Era um gesto
não dado, não percebido, apenas um bandido espírito errante sem vida a
percorrer.
Era um
momento que não foi, uma hora que não passou, uma chuva que não veio, uma
inundação que nos levou, era o sol abrasador das colheitas que não vingaram,
pobres espaços destinados a morrer.
Era um sem
número de ocasiões pertinentes a homens engravatados, cheios de ar
condicionado, com dinheiro colorido no bolso, deixados em ilhas paradisíacas ou
em cofres de ouro, com mulheres belas e desnudas, com flores vivificadas de
fortuna, comida com cheiro de presente e toda uma vida pela frente.
Era um sem
dono de mundo, sem coração vibrante, sem olhos de cor, multidões abandonadas à
própria sorte nas asas da morte bela e faceira, sonho acalentador de uma vida
sem eira e nem beira.
Tal cenário
tão bem enfeitado em formas e sentidos não se faz merecedor de apenas um
continente, anda escarafunchando toda a Terra, deixando sua marca veemente e a
ela unem-se coros de igual dementes.
E assim os
muitos famintos seres zumbis sustentados por marionetes invisíveis clamam
liberdade e gritam para todos ouvirem: Valei-me Deus, valei-me, seremos assim
tão miseráveis que nem um pouco de bondade temos o direito de saber?