Palavras que se perpetuam envoltas em imagens nesta colcha de retalhos entre fonemas, sentidos e paixões.







segunda-feira, 31 de maio de 2010

Chegada do sepulcro


Escolheram minhas vestes, seria branco.
Não me perguntaram se eu havia de gostar.
Tiraram-me os sapatos, e eu que pensava que poderia levá-los.
Despentearam-me os cachos e os puseram presos ao meu lado, não gostei, minha forma tinha uma imagem que não me pertencia.
As flores não eram as que eu queria, tinham um cheiro nada peculiar e me irritavam as narinas me fazendo espirrar.
Alguns me olhavam com espanto, outros com dó, alguns nem me viam, já que conversavam com outras pessoas que eu nem conhecia.
Não era essa a festa que eu tinha sonhado, nem a música que eu queria ouvir tocar, não eram essas as pessoas que eu havia convidado, não era nada disso que eu queria estar.
A vela ainda cismava em brandir sua luz fosca me enjoando o estômago, mas ninguém vinha apagá-la e pensei estarmos sem luz. Tanta demora, e eu me perguntava em vão.
De repente, ela chegou, com seu manto negro, me estendendo a mão e dizendo que se atrasara um pouco, uma confusão, mas que eu já poderia descansar.
Ajeitei-me, repus meus cachos no lugar, apaguei as velas, troquei as flores, me vesti de outra cor e coloquei meus sapatos que tanto adorava. Acendi a pira e me deixei levar, sendo sorvida pelas chamas que aqueciam meu coração. Ela ficou a me esperar, até que eu estivesse pronta e segurando sua mão partir, feliz!

terça-feira, 11 de maio de 2010

Instante


O corvo assentiu minha presença ora pálida manhã sem sol.
Estava eu a namorar a lua magra quando me veio o súbito pensamento.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Diferentemente


Eu queria me transmutar, ser borboleta às vezes, e toda hora que eu quisesse morrer, me refazer em beleza diferente. Mesmo que o instante seja o de me perpetuar, não importa, quero suas asas como se fossem minhas, por onde eu pudesse adentrar e sorver o vento em minhas cores me revestindo novamente.
Eu queria ser mar, me salgar nos peixes que desbravam as correntezas. Ser como a anêmona que presa ao fundo captura com seus tentáculos seu alimento, apenas transborda sem a gravidade dura que nos curva o tempo.
Eu queria ser terra, fazer brotar as árvores seculares que prendem minha memória, perder-me nas folhas secas que se esparramam pelo chão em boa hora.
Eu queria ser mineral, a pedra que ora rola magistral se permitindo formas durante sua estada infinda, até se transformar em pó ou se solidificar como uma estátua poderosa perpetuada em algum lugar.
Eu queria não ser gente, já que gente, insistentemente cansa a gente. Até eu me vejo cansada em mim, de tanto querer ser diferente. Não que eu me atrapalhe em minha essência, ou diria, persistência, mas porque gente requer demasiadamente gente.

domingo, 2 de maio de 2010

Cenário


Vejo o céu limpo a brincar com algodões de diferentes cores anunciando uma leve chuva cor de cinza, fria como a neve que ora respira por entre as minhas narinas, já que me atrevi a deixar aberta a porta. Meus rastros qual raposa à espreita do alimento busca por entre as árvores pálidas um pouco de calor. Descanso na sombra da fome macia, sentindo a brisa que me arrepia os pelos. Ao longe, avisto cor de branco cismando em meio a neve que se misturando estava orelhas pontudas avermelhadas, mostrado seu sangue para mim. Entre o olhar e a vontade de me esgueirar veio um pássaro assustado qual não foi seu engano em deixar seu filhote partir - mas já era hora. O céu, as nuvens, a neve, a árvore, a fome, o sangue, o voo, o filho. Cai a chuva, fecho a porta, acendo a lareira do meu coração e volto às páginas do livro incerto, já que meus olhos cismavam na escuridão, fechados estavam, sono talvez, mas o brilho da neve insiste.